Como pude eu deixar-te ir sem um abraço, meu irmão?


Como pude eu deixar-te partir sem um abraço?
Mas deixei. Deixei que te arrastasses com fraqueza, que te deixasses ir sem esperança e que nos abandonasses sem retorno. Na realidade, deixei que chegasses ao fundo de ti. Assisti na primeira fila à tua decadência, sem nunca acreditar firmemente que estavas perto do fim que ditaste de forma autónoma.
E hoje sinto-me apenas pela metade. Sinto-me parcialmente desfeita. A lacuna que deixaste em mim supera-me todos os dias. Recordo como éramos, como sempre fomos e como te perdi. Perdi-te nos dias em que não fomos nada, naqueles dias em que o silêncio imperava entre nós. Perdi-te quando a indiferença era a única coisa que nos unia, quando nos ausentámos da vida um do outro. Perdi-te sempre que discutíamos e sempre que nos magoávamos com palavras sem qualquer sentido expressamente incutido. E se assim foi, então perdi-te vezes sem conta.
Como pude eu deixar-te partir sem um abraço?
Mas deixei. Insensivelmente fui orgulhosa demais para te apertar contra o meu peito. Fui orgulhosa demais para te apertar de maneira a que te sentisses seguro. A que te sentisses em casa. Fui orgulhosa demais para que te sentisses longe da solidão que te importunava todas as noites. Fui cega, ou fiz-me de cega, perante o óbvio que demonstravas recorrentemente. Tornei o teu sofrimento invisível aos meus olhos, como se tudo fosse parte da normalidade a que me habituei. E assim continuei sem saber que estava a perder uma das melhores partes de mim.
Como pude eu deixar-te ir sem um abraço?
Mas deixei. E hoje carrego em ombros a culpa que cultivei. Caminho de pés descalços e procuro saber onde estás. Não obtenho respostas e desespero em monólogos espontâneos. Sinto o frio do chão e o gelo da alma. Incessantemente crio fantasmas que me perseguem os sonhos e me entropecem a vista. Penso em toda esta jornada. Em todo este final. Eras sangue do meu sangue. E em ti eu guardava a infância que foi tanto minha como tua. Sentia que aí estava selada para sempre. E independentemente de todas as divergências que nos definiam, hoje percebo que eras, sem nunca o expressares, o meu melhor amigo. Nunca precisámos de declarações com palavras soltas de amor. Hoje sei que ter um irmão é ter a promessa de proteção para toda a vida. E eu, ironicamente, não te protegi em vida.
Assim partiste. E hoje sou apenas metade do que já fui por inteiro. Como pude eu deixar-te ir sem um abraço?



Inês
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