Tenho que partir, mãe

Tenho que partir, mãe. Eu sei que te custa que só leve a mochila atrás, que não leve a tua comida numa caixa de tampa azul e que não tenha bagagem suficiente para trazer a almofada que usei estes vinte anos. Eu sei que receias que o mundo seja demasiado grande e que eu me perca nele. Sei que o teu coração está mais pequenino que o meu e sei que tu não sabes o quanto me custa ver-te assim. Eu sei que estás com um nó na garganta tão seco, daqueles que só se sentem quando as lágrimas já estão quase a dar de si. Sei que tentas ficar hirta como sempre mostraste ser, mas que por dentro te desmoronas ao ver-me despedir da família que hoje veio almoçar. Vá lá, não sofras por mim.

Tenho que partir, mãe. E o que vai é tanto quando comparado com o que fica. Ficam os hábitos antigos e os lugares que fizeram parte da minha infância. Mas as pessoas que amo vão comigo guardadas dentro do peito, permanecem intactas dentro daquele álbum fotográfico a que chamam de memória. Comigo vai o amor que me deste e aquele que te dei. E quando me perguntarem se estou apaixonado, serás sempre mencionada como a mulher da minha vida. Vá lá, não sofras por mim.

Tenho que partir, mãe. Dá cá aquele abraço que marca a despedida. O último abraço. O teu abraço. Circunda-me com os braços que me pegaram quando nasci, que me moldaram à tua imagem e que foram sempre o meu abrigo preferido. Dá cá esse abraço. Quase que me desfaço em emoções só de sentir que estou a levar metade de ti. Eu sei que estou. Mas tenho que partir. Faz parte da vida crescer sozinho e o teu menino está a fazer por isso. O canudo não passa de um papel assinado se eu não o levar mais longe. Não sei quando regresso. Não sei se há regresso. Talvez haja, amanhã ou depois. Não defini horários, nem datas. Não defini metas ou destinos. Não tenho planos, só tenho sonhos. Vá lá mãe, não sofras por mim.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Caí no fundo

Tenho 25 motivos

Escolheste-me, mas eu tenho a melhor claque do mundo