As pessoas conseguem ser cruéis
As pessoas conseguem ser cruéis.
Os anos passaram, tantos anos já lá vão, mas as marcas ficaram como se tivessem vontade própria. Recordo hoje alguns rostos. Recordo também o sabor amargo que me deixaram na boca. Desenhávamos um círculo. Éramos donos de uma amizade bonita. Bebíamos na mesma mesa. E partilhámos os mesmos sofás. Éramos donos das mesmas loucuras. Seguíamos os mesmos sonhos.
Recordo as brincadeiras e o suporte que lhes dei. Recordo o amor que senti por todos. Mas quando o desdém é maior do que a saudade, tudo se transforma numa boa desculpa para destruir quem já foi tanto. Foi o que você fizeram, não foi?
Foram tão pouco humanos. Foram a razão clara pela qual eu não quero ser como vocês. Proferiram palavras que penetravam qualquer pele e magoavam qualquer coração. Fizeram de uma noite as insónias de outras tantas. Ainda hoje consigo sentir toda a dor que me provocaram. Ainda hoje não entendo os motivos, nem os fundamentos. O teatro foi tão notável que por segundos quase me fizeram acreditar que proferiam verdades sólidas. Mas não passavam de sujeitos desajeitados com narizes altivos. Não passavam de miúdos com uma inveja como eu nunca vira antes.
Hoje só consigo rir. Talvez porque já tivesse chorado demais sobre este assunto. Vocês fizeram a vossa escolha e eu agora assisto, sentada na primeira fila, ao vosso desfile carnavalesco.
Os anos passaram. Tantos anos já lá vão. Apercebi-me com o tempo que as pessoas conseguem ser cruéis, e vocês, foram de facto bons aprendizes. E quem sabe se um dia nos voltamos a cruzar pelos caminhos loucos que a vida nos traz e nos leva. Se isso acontecer, o meu sorriso será tão grande e sincero quanto aquele que vos dei durante os tempos em que éramos inseparáveis, porque consigo adivinhar que a minha felicidade vos traz amargura.
Não vos guardo rancor. Não tenho espaço para guardar nada a quem a mim tudo quis tirar.
Inês
Comentários
Enviar um comentário