Rezo todos os dias para que Deus não te perdoe

Marcaste-me para o resto da vida. E eu não me fiz ouvir. Marcaste-me da forma pior de todas. E tão grande é a raiva te trago, mas maior ainda a cobardia que me acompanha. Mas talvez só agora, longe dessa realidade, é que consigo perceber as sequelas que me deixaste. Talvez só agora, longe dos tempos da inocência, é que consigo perceber que mais ninguém conseguirá apagar as marcas que me obrigaste a carregar. Na verdade, só agora tenho maturidade suficiente para admitir que levaste a melhor parte de mim, aquela que mal tive tempo de conhecer, aquela da qual hoje sinto saudade, aquela que tu desconstruíste sem pesar.

Hoje percebo que me mataste. Deixei que me matasses. E nunca me fiz ouvir. As ameaças que me sussurraste ainda me deixam a pele em ferida. Permanece em mim um nó na garganta tão seco que é comum perder o equilíbrio. Como se fosse de novo desprotegida às tuas mãos. Como se não tivesse saída. Quão triste é olhar-me ao espelho e sentir repugna de um corpo tão bonito. Quão triste é continuares a ser respeitado. Quão triste é não conseguir fazer-te parar.

Hoje desacredito. Hoje estou vazia. Vazia de alma e vazia de coração. Sou mecânica. Tal como me transformaste. Não faço nada mais do que continuar como ditam as regras. Assim me tornaste. Mas ainda assim, rezo todos os dias para que Deus não te perdoe. Rezo todos os dias para que mais ninguém sinta sequer metade daquilo que eu tenho dentro do peito. Peço a Deus para que percas as forças e que te sintas, tal e qual como és, um monstro.

Foste meticuloso. Foste quase genial. Foste macabramente psicopata. E ainda hoje espero o dia em que possa finalmente falar de ti, a mim mesma e aos outros, no pretérito perfeito. 

Inês

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