Foi a morte do artista

Chegaste e mais uma vez trouxeste desculpas medíocres que me enchem a cabeça. Acho fervorosos todos os pormenores que inventas. Tens talento. Há um drama em ti que não sabia existir.
Continuas a falar como se nada se passasse. Acho que até tu acreditas nas frases sujas que proferes sem uma vírgula de verdade. Só podes ser artista. Só te falta o palco. E eu sou a plateia.
Os dias vão passando e chegas a casa sempre à mesma hora. Trazes no bolso a carteira e as desculpas, mas essas continuam medíocres. O teu latim, que em tempos soou (quase) a verdade, agora é tão forçado que destapa toda a mentira. E, ironicamente, vejo-te viver com a certeza de que eu vou ficar para sempre. Fazes-me rir, mesmo depois de me teres feito chorar até que me inchassem os olhos. Esta mistura de emoções só os artistas a conseguem. E tu só podes ser um.
Como pudeste amar assim? Amaste em duplicado e quem ama em duplicado não sabe o que é amar. Nunca hesitaste. Nunca procuraste saber até onde podias ir. Agiste sempre com um sorriso caprichoso no rosto. Sempre com esse ego maior que a tua altura. Afinal, sempre foste um egoísta.
E hoje, mais uma vez, chegas altivo ao lugar que me viu sofrer. Ao lugar que em tempos foi nosso. Às quatro paredes que nos confortavam durante o frio do Inverno. Sabia lá eu que te confortavas noutro corpo nas horas vagas. Hoje, trazes no bolso apenas a carteira porque as desculpas já não são necessárias. Passei a ser a tua rotina. Fazia-te a cama e levantava-te a mesa. Vieste procurar-me como tantas vezes mas só encontras o pano caído. A sala está vazia. A plateia era só eu e hoje eu já não estou. O espectáculo acabou. O palco cedeu. E não tens aplausos. 
Foi a morte do artista.

Inês




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