Se me abandonares, esta é a minha carta de despedida
Desiludi-te? Coloquei-te
em baixo demasiadas vezes? Devo sentir-me culpada? Devo sentir-me culpada por
não ter sido suficiente? É que eu vi o nosso fim. Antes de tudo isto começar.
Mas tu, com esse sorriso de quem sabia o que queria, fizeste-me crer que era
possível. E eu acreditei em ti. Que mais podia ter feito que acreditar em ti?
Eu via verdade nos teus olhos. E quanto mais me fazias acreditar, mais me
envolvias naquela que é a história mais bonita do mundo. Quanto mais me fazias acreditar,
mais me sentia no direito de te roubar tudo. Roubei-te o coração sem
autorização. Roubei-te a alma em noites inesquecíveis. Quantas vezes pedimos
que elas fossem infinitas? Quantas vezes sofremos por sabermos que não nos
veríamos no dia seguinte? E agora, que me tens, queres fazer-nos sofrer a vida
inteira? Porquê?
Partilhámos sonhos. As
loucuras mais secretas. Partilhámos a cama. Partilhámos o corpo um do outro.
Partilhámos os nossos medos e desconstruímos cada um deles para os tornar mais
pequeninos. Fizeste-me conhecer cada pedaço de mim. E deixaste que eu te
descobrisse. Hoje, não há nada que eu não saiba sobre ti. Conheço-te bem.
Conheço o teu cheiro e as tuas curvas. Conheço as linhas dessas mãos que me
acariciaram o rosto tantas vezes. Conheço os teus hábitos e o teu feitio. Sei o
que te irrita e o que te comove. Consigo fazer-te chorar e rir quase ao mesmo
tempo. E mesmo agora, que percorro a estrada sozinha, sei que podia ter sido a
tua companheira de vida. Podia ter sido a mãe dos teus filhos. Podia ter
assistido às tuas vitórias. Podias ter assistido às minhas. Podia ter sido o
teu prazer de todas as noites. A cerveja gelada de sexta. A dança quente de
sábado. Podias ver-me enterrar o vivo que nunca mais é morto. Podias ver-me
lançar o livro que ainda tínhamos para escrever. Eu podia ter sido tua amante.
Podia ter sido tua amante para a vida toda. Porque a palavra 'amante' vem de
amar. E se nos amamos de verdade, então que mais podemos ser?
Eu nunca quis desistir.
Quando não acreditei, fiquei. Quando me tiraste o chão, voei. Quando não
tiveste forças, puxei-te. Tiveste-me sempre aqui. Sempre! Sonhadora, deixei-me
ficar no teu regaço, mesmo quando me afastavas para longe. Mesmo quando foste
injusto e egoísta. Este foi o futuro que escolheste para nós. E o meu vulto vai
abandonar lentamente tudo aquilo que nos caracterizava. Deixarás de ouvir
gargalhadas e não sei quem te irá esperar todos os dias. Confesso-te que vou
continuar a aquecer duas canecas de leite com chocolate todas as noites. A
abraçar a almofada imaginando que és tu que lá estás. Sei que por muitos meses,
ao chegar a casa após um dia de trabalho, acenderei incenso para recordar a
infância que me descreveste. E o 'Homem do Saldanha' não me fará lembrar senhor
alegre que não sejas tu. O Saldanha é teu. Assim como eu fui tua. Não tenho
medo de não ser amada, tenho medo de não voltar a amar. Porque não me ensinaste
a viver sem ti. Mas é sem ti que queres que eu viva.
Obrigada por teres sido
a bênção da minha vida.
Inês
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